12 maio Abandono do lar e a usucapião familiar
Por Lilian Brandão:
Quando o assunto é divórcio e partilha de bens, a dúvida acerca do famigerado “abandono do lar” é recorrente: Posso sair de casa? Isso caracterizaria abandono de lar? Posso perder minha parte no imóvel?
O artigo 1.240-A do Código Civil Brasileiro dispõe que aquele que utiliza para sua moradia e/ou de sua família, por dois anos ininterruptos e sem oposição, imóvel urbano de até 250m², cuja propriedade seja dividida com ex-cônjuge ou companheiro que “abandonou o lar”, adquire a propriedade integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel.
Trata-se da “usucapião familiar” ou “usucapião conjugal”, que trouxe o tema abandono do lar à tona, sendo este apenas um dos vários requisitos para esta modalidade de aquisição originária da propriedade, os quais devem ser preenchidos conjuntamente: (i) o abandono do lar; (ii) o condomínio do bem entre o cônjuge ou companheiro abandonado e aquele que o abandonou; (iii) a posse direta, ininterrupta, com exclusividade e sem oposição, pelo cônjuge abandonado, por 2 anos; (iv) a utilização do imóvel para fins de moradia própria e/ou familiar; (v) a natureza urbana do imóvel; (vi) a área não superior a 250m²; e (vii) a inexistência de propriedade de outro imóvel, urbano ou rural, pelo cônjuge “abandonado”.
Quanto ao abandono do lar, questão a que muitos não se atentam é que “o lar” não se trata apenas do imóvel em que residem os consortes, mas da noção de convivência com a família, de modo que o “abandono de lar” que versa o direito, não se configura pela simples saída de um dos cônjuges do imóvel onde residia com o companheiro, mas, em verdade, pelo abandono da entidade familiar, deixando de prestar assistência moral e material.
Ou seja, não pode ser chamada de “abandono de lar” a hipótese em que um dos ex-cônjuges, apesar de deixar de morar com a família, continua a prestar assistência ao ex e aos filhos, mesmo que ainda não tenham sido definidos os alimentos. A participação na criação dos filhos e nas decisões da família já obsta a possibilidade de configuração de abandono do lar.
Desta forma, diante de divergências irreconciliáveis, não se mostra recomendável que ex-cônjuges continuem a residir no mesmo imóvel apenas para evitar a possibilidade de alegação de abandono do lar, uma vez que, como se viu, a expressão a que se refere nosso ordenamento jurídico possui uma abrangência ampla, compreendendo a ausência da tutela familiar.