19 fev Desvio produtivo do consumidor
Direito do Consumidor – Desvio produtivo do consumidor
Por Amarilida Marchese Garbui
O dano moral, desde a edição da Lei nº8078/90 (Código de Defesa do Consumidor) passou por inúmeras modulações em nossos Tribunais, sendo que, a princípio, gerou altas quantias indenizatórias, fato criticado como “indústria do dano moral”, passando, então, os Tribunais a mitigá-lo, em raras condenações, o que gerou uma atitude por parte das empresas prestadoras de serviços, que, embora mantivessem seu “modus operandi” no mercado, destinavam uma provisão para eventuais condenações, fato que não resolvia a situação do desrespeito ao consumidor, que era a principal meta do legislador.
Assim, permaneciam as reclamações com defeitos de produtos, demora na entrega, defeitos, má prestação de empresas de eletrodomésticos, TV por assinatura, telefonia, bancos, empresas aéreas, etc.
Porém, outra questão começou a emergir nesse panorama: o demasiado e abusivo tempo gasto pelo consumidor para resolver algum problema, por pequeno que fosse, perante as empresas prestadoras de serviços, com excessivo desgaste emocional nestas horas de desvio de tempo que poderia ser melhor ocupado pelo consumidor, mas desperdiçado em inúmeros contatos para uma possível solução, que nem sempre era atingida, traduzindo, assim, em supressão dessas horas no estudo ou trabalho produtivo, e mesmo do convívio familiar, no descanso ou lazer, etc., de forma irrecuperável, ainda que fosse previsto no Código Consumerista a obrigação do fornecedor de não causar qualquer prejuízo, estando os advogados das vítimas dessa desídia dos prestadores, atentos a esse panorama quando da defesa de tais causas envolvendo dano extrapatrimonial perante os Tribunais.
Afinal, não se trata de mero aborrecimento cotidiano, mas, de abuso e desrespeito à pessoa do consumidor que toma seu tempo precioso em atividades necessárias ou de sua escolha para a solução de um problema ao qual não deu causa agravando sua condição de vulnerabilidade e sensação de incapacidade. E, em vista da responsabilidade objetiva do fornecedor de produto ou serviço, decorrente do risco do próprio negócio, prevista nos artigos 12 e 14 do Código Consumerista, torna-se evidente sua responsabilidade quanto ao prejuízo provocado pela perda de tempo e desgaste emocional do consumidor oriundos do mau atendimento.
Via de consequência, uma teoria neste sentido começou a ser delineada pelo advogado Marcos Dessaune, que também fora vítima dessa desatenção por parte de prestadores, que culminou com a publicação do livro DESVIO PRODUTIVO DO CONSUMIDOR – o prejuízo do tempo desperdiçado em 2011, e segundo o autor “O consumidor, ao desperdiçar o seu tempo vital e se desviar das suas atividades para tentar resolver problemas de consumo, sofre necessariamente um dano extrapatrimonial de natureza existencial, que é indenizável.”
Essa novel teoria do desvio produtivo ganhou força nos Tribunais de Justiça de São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Santa Catarina, sendo encampada pelo Superior Tribunal de Justiça, que reconheceu a necessidade de indenizar o tempo gasto do consumidor para a resolução do problema criado pelo prestador do serviço como é o caso da recente decisão do Ministro Marco Aurélio Bellizze, Relator da Terceira Turma, no AREsp 1.260.458/SP, contra o Banco Santander a respeito de contrato de mútuo com pacto adjeto de alienação fiduciária de bem imóvel, com lançamento indevido de encargos bancários, por falha operacional do banco, condenando-o ao pagamento de indenização por danos morais no valor de 5 mil reais, pelo tempo desperdiçado pelo consumidor na resolução do problema causado pela má prestação do banco, reconhecendo, assim o fundamento da teoria do desvio produtivo. No mesmo sentido Resp. 1634851, com voto da Ministra Nancy Andrighi, Relatora da 3ª Turma.
Assim, deixou de ser uma simples teoria, mas, uma realidade a ser aplicada à vida moderna que demanda, para o bom atendimento ao consumidor, a celeridade na busca da solução nos defeitos ou falhas de produto e serviço por parte do prestador/fornecedor, atendendo o espírito do legislador pátrio.